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Crédito(s): (Foto: Danilo Verpa/Folha Imagem/Folhapress) |
| A jornalista e subprefeita da Lapa (PPS), Soninha Francine |
Por: João Peres, Rede Brasil Atual
São Paulo - A recente ofensiva de parte da mídia contra a prática religiosa conhecida como Santo Daime gera repercussões na sociedade, como seria de se esperar. Apesar de alguns comentários a favor dos cultos daimistas, mas espalham-se em progressão geométrica as réplicas de ideias exigindo restrições e até proibições ao chá.
O Daime foi escolhido pelos jornais e – especialmente – pelas revistas semanais como a razão dos assassinatos do cartunista Glauco Villas Boas e de seu filho, Raoni Villas Boas, por Carlos Eduardo Sundfeld Nunes. O rapaz de 24 anos tem histórico de problemas psicológicos que, na avaliação de alguns veículos, somados ao chá religioso resultaram no crime do último dia 12.
Em todo caso de grande repercussão, a busca por um fator que explique e dê base a desdobramentos do fato – as 'suítes', no jargão jornalístico – transforma-se em lugar comum da imprensa. Fosse menor de idade o assassino de Glauco, a bandeira a ser levantada seria a da redução da maioridade penal. Se, por acaso, Carlos Eduardo fosse um filho adotivo, não faltariam matérias sobre os perigos da adoção.
Desta vez, o escolhido foi o daime, também chamado de ayahuasca, substância de uso milenar por parte de povos de Brasil, Bolívia, Peru e Equador. A revista Época, na edição do último fim de semana, baseia-se nos argumentos dos familiares de Carlos Eduardo e de alguns especialistas no tema para montar uma tese condenando o Daime.
O título é "O doido, o daime e o crime". Apenas no fim da reportagem vem a observação de que "não há necessariamente entre esses acontecimentos uma relação direta de causa e efeito". Nas linhas que antecedem a informação - esta, de cunho científico -, a publicação cobra que o governo "que legitimou a droga", passe a cuidar melhor da fiscalização de seu uso.
Roteiro
"Era previsível que isso iria acontecer", pensa a apresentadora, jornalista e comentarista esportiva Soninha Francine, atual subprefeita da Lapa, região oeste da cidade de São Paulo.
"Toda vez que envolve uma droga cuja comercialização é proibida, ou já foi proibida, ou é restrita de alguma maneira, acabam questionando aqueles que defendem a liberação dessa mesma droga. Vai muito além da discussão dos efeitos, dos riscos de uso de qualquer substância para passar a ser um enquadramento de quem defende uma postura de legalização."
A revista Veja também montou uma tese, intitulada "O psicótico e o Daime", com a diferença de que não se deu ao trabalho de ouvir psiquiatras para corroborar sua hipótese. A publicação deduz que a liberação do chá para fins religiosos em 1992 foi o primeiro de uma sucessão de erros, e ouve um advogado que aponta que "uma droga não deixa de ser droga se for consumida no meio de um ritual."
A reportagem rende comentário do deputado estadual pelo Acre, Moisés Diniz (PCdoB), reproduzido no Blog da Amazônia de Terra Magazine. "Milhares de jovens escaparam das grades dos presídios e até da morte porque abraçaram a religião dos entes mágicos da floresta, das ancestrais aldeias indígenas e da fraternidade de viver como irmãos nos dias de louvor, sob a simplicidade de seus hinos e do consumo ritualístico da ayahuasca", defende.
Para Carlos Heitor Cony, é diferente. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, o jornalista pediu uma investigação a fundo das seitas daimistas e, mesmo admitindo que não conhece a fundo o tema, afirmou que o efeito do chá é semelhante a LSD, maconha, cocaína, crack: pode "desaguar num comportamento social também alterado, como o do assassino do cartunista, que, em princípio, usava o Daime para curar exatamente o consumo de droga."
Soninha Francine sabe bem os efeitos das generalizações descuidadas. Anos atrás, foi procurada pela revista Época para falar sobre a legalização do uso da maconha. Ao relatar sua familiaridade com a substância, viu-se involuntariamente na capa da publicação - que a considerou propagandista do uso drogas - e acabou demitida da TV Cultura, onde então trabalhava.
Menos pior que sua demissão serviu para ampliar o debate sobre o tema. Agora, ela lamenta que a polêmica sobre o daime caminhe para a condenação dos ritos religiosos, sem fazer a devida separação entre causas, consequências e fatos que nada têm a ver com a morte de Glauco.
Para Soninha, é triste notar que os jornalistas e os meios de comunicação, em vez de colaborarem para a elevação do nível do debate, sigam mais uma vez pelo caminho do reforço dos preconceitos.
"Encontraram o culpado. 'Cuidado: todos que tomam o daime são assassinos em potencial'. Se for isso o que restar desse episódio tão lastimável, uma desinformação disseminada, a gente dá um passo atrás. Imagine que alguém tem na família uma pessoa que frequenta as reuniões dos daimistas. Pode ser uma pessoa absolutamente centrada, regrada, mas os pais, os parentes, os vizinhos vão começar a encarar essa pessoa como um malfeitor em potencial. Se já existe algum receio, ele é aumentado. É uma lástima", afirma.
Fonte: Rede Brasil Atual
06/04/2010 07:04:00
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