126. Flor das Águas


Flor das águas,
Da onde vem, para onde vai?
Vou fazer minha limpeza
No coração está meu pai

A morada do meu pai
É no coração do mundo
Aonde existe todo amor
E tem um segredo profundo

Este segredo profundo
Está em toda a humanidade
Se todos se conhecerem
Aqui dentro da verdade.

 

Crdito(s): Valdir Piva Duarte

Sendo a água fonte da vida, símbolo feminino, materno, de origem da existência, é no útero maternal, nadando no líquido amniótico, que o ser humano tem a primeira relação íntima com a importância vital da água. Ela está ali, garantindo temperatura aconchegante, acariciando e protegendo o novo ser vivente e assegurando-lhe condições para desenvolver-­se.[493] Aquele é um “mar” particular do embrião.

Quando o Criador Divino, no principio de tudo, resolve criar os céus e a terra, é através da água que a criação se manifesta, anterior a própria luz: “o Espírito de Deus pairava sobre as águas. E disse Deus: haja luz. E houve luz”.[494]

Nos cultos afro-brasileiros, o orixá feminino Nanã Buruquê é considerado a divindade das águas primordiais, dos pântanos e brejos. Associada ao limo fertilizante e a vida,[495] a sua condição primeva lhe levou a ser sincretizada com a Senhora Santana, mãe da Mãe de Deus - a Mãe das Mães. 

A origem remota deste hino talvez encontremos no mito de fundação da civilização judaica-cristã, da qual somos filhos, somos herdeiros.

Nessa narrativa, encontramos elementos constitutivos do hino Flor das Águas: o anjo do Senhor, junto a uma fonte no deserto, pergunta a Agar, serva de Sarai, “da onde vens, e para onde vais?”; em gratidão a Deus, Agar batiza o poço d’água de Beer-Laai-Rói (Aquele que vive e me vê); Abraão e Sara sendo eleitos nossos pais, mananciais das nossas vidas. 

Pois nos conta o livro de Gênesis que Sarai, mulher de Abrão, não lhe dava filhos, mas ele tinha uma serva egípcia, cujo nome era Agar.

E disse Sarai a Abrão: Eis que o Senhor me tem impedido de dar à luz; toma, pois, a minha serva; porventura terei filhos dela. E ouviu Abrão a voz de Sarai. 
Assim tomou Sarai, mulher de Abrão, a Agar egípcia, sua serva, e deu-a por mulher a Abrão seu marido, ao fim de dez anos que Abrão habitara na terra de Canaã.
E ele possuiu a Agar, e ela concebeu; e vendo ela que concebera, foi sua senhora desprezada aos seus olhos.
Então disse Sarai a Abrão: Meu agravo seja sobre ti; minha serva pus eu em teu regaço; vendo ela agora que concebeu, sou menosprezada aos seus olhos; o Senhor julgue entre mim e ti.
E disse Abrão a Sarai: Eis que tua serva está na tua mão; faze-lhe o que bom é aos teus olhos. E afligiu-a Sarai, e ela fugiu de sua face.
E o anjo do Senhor a achou junto a um poço de água no deserto, junto à fonte no caminho de Sur.
E disse: Agar, serva de Sarai, donde vens, e para onde vais? E ela disse: Venho fugida da face de Sarai minha senhora. Então lhe disse o anjo do Senhor: Torna-te para tua senhora, e humilha-te debaixo de suas mãos.
Disse
-lhe mais o anjo do Senhor: Multiplicarei sobremaneira a tua descendência, que não será contada, por numerosa que será.[496]

Em gratidão, Agar exultou: Tu és Deus da vista, porque disse: Não olhei eu também para aquele que me vê? Por isso se chama aquela fonte de Beer-Laai-Rói (Aquele que vive e me vê).[497]

E continua a história:

Sendo, pois, Abrão da idade de noventa e nove anos, apareceu o Senhor a Abrão, e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso, anda em minha presença e sê perfeito.
E porei a minha aliança entre mim e ti, e te multiplicarei grandissimamente.
Então caiu Abrão sobre o seu rosto, e falou Deus com ele, dizendo:
Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás o pai de muitas nações; E não se chamará mais o teu nome Abrão, mas Abraão (pai de uma multidão) será o teu nome; porque por pai de muitas nações te tenho posto
.[498]

E disse Deus mais a Abraão: “a Sarai tua mulher não chamarás mais pelo nome de Sarai, mas Sara será o seu nome. Porque eu a hei de abençoar, e te darei dela um filho; e a abençoarei, e será mãe das nações; reis de povos sairão dela”.[499]

Neste hino, Mestre Irineu pergunta ao Espírito das Águas sobre sua origem,[500] e este lhe revela um segredo, que só é possível alcançar através do autoconhecimento.[501]

Pois o coração do mundo é o Sagrado Coração de Jesus, “a quem eu peço firmeza, é ao Coração de Jesus”,[502] devoção antiga que remonta ao século IX e que teve como adeptos grandes místicos.[503] 

Conta-se que o “Flor da Águas” foi apresentado a irmandade numa concentração, e logo depois Mestre Irineu perguntou a todos ali presentes: 

- Onde fica o coração do mundo?

Todos se olharam e ninguém respondeu. Ele perguntou de novo e ficou sem resposta. Até que ele mesmo falou:

- O coração do mundo é o mar![504]

O dirigente do CECLU de Porto Velho, Sr. Virgílio Nogueira do Amaral, depõe que, conversando interiormente com o Mestre Raimundo Irineu Serra Juramidam, pelo caminho de 8 Km que separam o Alto Santo da cidade de Rio Branco, foi recebendo as explicações sobre cada um dos hinos novos (Cruzeirinho), e chegou ao entendimento de que a Flor das Águas “é o Daime, é o próprio Deus”, pois “se você compreender e aprender” essas lições, “você já está com Deus no coração. Já está preparado para pedir a Virgem Maria para se apresentar ao Senhor Deus”,[505] que é o clamor do hino a seguir (Eu Pedi).

A doutrina do Santo Daime, através deste hinário, nos ensina que Deus é tanto imanente como transcendente, tanto pessoal como impessoal, isto é, “Ele pode ser buscado como o Absoluto, como uma de Suas qualidades eternas manifestadas, quais sejam amor, sabedoria, bem-aventurança, luz; ou concebido como Pai Celestial, Mãe, Amigo”.[506]

E aqui o Divino Pai Eterno se apresenta nesse valioso líquido cor de ouro, bebida de poder inacreditável, flor das águas feito do cozimento do cipó jagube com a folha rainha, nosso precioso enteógeno,[507] a manifestação interior do Divino.

 

Notas:

[493] LAHÓZ, Francisco Carlos Castro. Água mole em pedra dura, tanto bate até que muda de trajetória. Disponível em <http://www.agua.org.br/Malucos/Malucos%20para%20Leitura.htm> Acesso em 29 jul 2005
[494] Gênesis 1: 1-3.
[495] Disponível em <http://geocities.yahoo.com.br/orixasesp/html/glosario.html#GlossN> Acesso em 29 jul 2005.
[496] Gênesis 16:1-10.
[497] Gênesis 16:13-14.
[498] Gênesis 17:1-5.
[499] Gênesis 17:15-16.
[500] SANTO DAIME. Religião brasileira no terceiro milênio (Revista). Ano 01, nº 01. São Paulo: Editora Escala, s/d.
[501] FRÓES, Vera. Santo Daime. Cultura amazônica. História do povo Juramidã. Manaus: SUFRAMA, 1986, p.108.
[502] Firmeza, hino nº. 70.
[503] Disponível em <http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/noticia/noticia.asp?cod_noticia=5852&cod_canal=30> Acesso em 01 de novembro de 2005.
[504] MAIA NETO, Florestan J. Contos da Lua Branca. V. 1. Rio Branco: Fundação Elias Mansur, 2003, p. 52.
[505] MAIA NETO, Florestan J. Contos da Lua Branca. V. 1. Rio Branco: Fundação Elias Mansur, 2003, p. 65; entrevista concedida por mestre Virgílio a Arneide Cemin Bandeira.
[506] PAHAMAHANSA YOGANANDA. A ETERNA BUSCA DO HOMEM. Impresso nos Estados Unidos da América: Self-Realization Fellowship, 2001, p. 477-478.
[507] A palavra enteógeno significa literalmente: "manifestação interior do divino".

 


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