117. Dou Viva à Deus Nas Alturas


Dou viva a Deus nas alturas
E à Virgem Mãe nosso amor!
Viva todo ser Divino
E Jesus Cristo redentor!

Eu peço a Deus, nas alturas
Para vós me iluminar
Botai-me no bom caminho
E livrai-me de todo mal

Eu vivo aqui neste mundo
Encostado a este Cruzeiro.
Vejo tanta iluminária
Do nosso Deus Verdadeiro

Esta iluminária que eu vejo
Alegra o meu coração
Estas flores que recebemos
Para nossa salvação.

 

Depois de um intervalo de onze anos, o Mestre Raimundo Irineu Serra recebeu o Dou Viva a Deus nas Alturas,[470] que abre o conjunto de 13 hinos (um não numerado, sem letra) chamado por seus discípulos de Hinos Novos (Cruzeirinho).

Ponto alto do hinário, essa linda e apoteótica valsa inicia o que é considerado por todos a síntese da doutrina – a mensagem espiritual transmitida nessas doze flores “que recebemos para a nossa salvação”.

A primeira estrofe é de pura sagração ao Divino Pai Eterno "Louvai ao Senhor! Louvai ao Senhor desde o céu, louvai-o nas alturas!" [471] e a hierarquia divinal daimista: a Virgem Soberana Mãe, Jesus Cristo Redentor e os Seres Divinos da Corte Celestial. 

Eu peço a Deus nas alturas,
para Vós me iluminar
Botai-me no bom caminho
E livrai-me de todo mal.

É o rogo pela salvação, a busca da iluminação, quando - se alcançada - o espírito emancipado não estará mais obrigado a participar do ciclo reencarnatório, de nascimento e morte. “A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele nunca sairá”.[472]

A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz. Porém, se os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas![473]

E reafirma Jesus: “Se, pois, todo o teu corpo é luminoso, não tendo trevas em parte alguma, todo será luminoso, como quando a candeia te alumia com o seu resplendor".[474]

No cristianismo, a Doutrina da Iluminação Divina é concebida por Santo Agostinho (354-430) e retomada séculos depois por São Boaventura (1221-1274).

A teoria agostiniana estabelece que todo conhecimento verdadeiro é o resultado de uma iluminação divina, que possibilita ao homem contemplar as idéias, arquétipos eternos de toda realidade.

Assim como os objetos exteriores só podem ser vistos quando iluminados pela luz do sol, também as verdades da sabedoria precisariam ser iluminadas pela luz divina para se tornarem inteligíveis.[475]

Porém, Santo Agostinho afasta-se do pensamento platônico ao entender a percepção da alma não como descoberta de reminiscências de vidas passadas, encarnações anteriores na qual contempla as idéias; ao contrário, existiria uma luz eterna da razão que procede de Deus e atuaria a todo o momento, possibilitando o conhecimento das verdades eternas.

Em não sendo reencarnatória, a doutrina da iluminação divina agostiniana não é a mesma doutrina de iluminação cristã anunciada pelo Mestre Raimundo Irineu Serra, pois esta designa a centelha divina e o caráter cristão dos ensinos que brilham na consciência dos seus adeptos.[476]

Essa centelha (memória) divina corresponde a nossa desejada iluminação com o retorno a casa do Pai, que na parábola do filho pródigo Jesus descreve,[477] de forma simplificada, o processo cíclico de descida consciente da vida do Logos à matéria e seu eventual retorno à origem, à casa do Pai, devidamente enriquecida pela experiência do processo, como simbolizado pelas boas-vindas concedidas pelo pai a seu filho.[478]

Guardada as devidas diferenças doutrinárias, a concepção filosófica da iluminação daimista - e a experiência extática mística revelatória proporcionada pelo Daime - tem parecença com a iluminação do príncipe Siddarta Gautama, o Buda.

E foi numa noite de lua cheia, assim como para Irineu Serra, que ao Buda Sakyamuni se revelou a sua missão de professor.

No dia em que cumpria 35 anos, na lua cheia do mês de maio de 580 a.C., sentado debaixo de uma enorme árvore perto de um riacho, o príncipe Sidarta alcançou a sua iluminação. Dissolveram-se então os últimos véus que cobriam sua mente, desapareceu a falsa percepção de separação entre energia e espaço superior, e isso lhe permitiu converter-se em consciência intemporal e onisciente. Conheceu tudo com cada átomo do seu corpo e foi uno com eles.[479] 

Ele não somente compreendeu a essência da vida do universo, como percebeu que a sua própria vida estava respirando em perfeita harmonia com todo o ritmo cósmico. Compreendeu totalmente a lei da causalidade: o destino de toda a humanidade que permeia as três existências da vida. Com a iluminação, ele havia sem dúvida encontrado o meio de superar todos os sofrimentos humanos - o nascimento, a velhice, a doença e a morte. 

Sakyamuni percebeu que os sofrimentos provêm das ilusões e da natureza obscura dos homens ocultarem o estado de Buda que todos possuem. E o que havia experimentado estava além da descrição por palavras, embora não fosse nada sobrenatural ou além da capacidade humana.[480]

Na tradição religiosa cristã, foi São João, o Batista, quem testificou da Luz, pois ao encontrar Jesus, disse: Ali está a luz verdadeira, que alumia a todo homem que vem ao mundo.[481]

E para nós, ayahuasqueiros da linha do Mestre Irineu, o Daime é a Luz de Jesus, o caminho da nossa iluminação, porquanto a todos quantos o receberam Jesus “deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus”.[482]


Notas:

[470] A data aproximada de recebimento deste hino é o ano de 1965. In: MAIA NETO, Florestan J. Contos da Lua Branca. V. 1. Rio Branco: Fundação Elias Mansour, 2003, p. 102.
[471] Salmos 148:1
[472] Apocalipse 3:12
[473] Mateus 6: 22-23
[474] Lucas.11: 36
[475] Disponível em <http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geae/historia-do-cristianismo-10.html> Acesso em 23 jul 2005; SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 16-17.
[476] Estatuto do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal (CICLU), registrado no Cartório de Rio Branco - Acre, em 20 de Abril de 1971, com o número 64, do Livro 1, folhas 110 a 117. Art. 2°, inciso b.
[477] Lucas 15: 11-32.
[478] Disponível em
http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geae/a-parabola-do-filho.html Acesso em 24 jul 2005.
[479] LAMA Olé Nydahl. Las cosas como son. Un acercamiento vivo para el mundo de hoy. Bogotá-Colombia: Editorial Garuda, 2003, p. 18.
[480] Disponível em http://www.vertex.com.br/vertex.com.br_non_ssl/users/san/sidarta/sakyamuni2.htm
  Acesso em 24 jul 2005.
[481] João 1: 9.
[482] João 1: 12.

 


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