71. Chamo o Tempo


Chamo o tempo, eu chamo o tempo
Para ele vir me ensinar
Aprender com perfeição
Para eu poder ensinar

Os que forem obediente
Tratar de aprender
Para ser eternamente
Para Deus lhe atender

Depois que o tempo chega
Ninguém quis aprender
Depois que refletir
É que vai se arrepender

Firmeza no pensamento
Para seguir no caminho
Embora que não aprenda muito
Aprenda sempre um bocadinho.

 

Que é o tempo? A origem da palavra é pouco conhecida. Sabe-se apenas que provém do latim: tempus. Na mitologia grega, Cronos, o deus do tempo, é aquele que tudo regula e tudo comanda. A ele cabia criar uma nova ordem nos ares e nas coisas; revolucionar constantemente a natureza, alterando o palco da vida.[282] Cronos, o deus do tempo, ficou famoso por devorar os seus próprios filhos, e isto simboliza o pensamento de que o tempo destrói o que ele mesmo cria.[283]

Nos cultos afro-brasileiros o tempo é tão importante que é um Orixá (deus), designado pelos nomes de Irôco; Loko ou Katendê.[284] O elemento da natureza que o representa é um pé de gameleira branca, e esse orixá tem domínio sobre o tempo. O tempo é aí considerado a permanência dentro da impermanência e a impermanência na permanência. O ciclo vital, que não muda com o transcorrer da eternidade. A infinita e generosa oferta que a natureza nos faz, desde que se saiba reverenciá-la e louvá-la.[285]

Iroko é a essência da vida reprodutiva. Do poder da terra. Alguns mitos dizem que Iroko é o cajado de Odudua, a Terra, que através dele ensina aos homens o sentido da vida.

Sabe-se que a mais primitiva influência do tempo na vida humana foi o ciclo de dias e noites. Através dele, o homem das cavernas pôde começar a distinguir eventos freqüentes, como as chuvas, de eventos raros, como os eclipses.

Usando a medida do tempo – os dias e as noites –, o homem pôde saber qual era a época adequada para as colheitas, prever a cheia dos rios e as mudanças do clima. Observando a aparência da Lua, podia escolher o melhor momento para o plantio ou avaliar a fertilidade das mulheres. Os astros, aliás, têm servido como referência para o homem desde os primórdios da humanidade, tanto espacial – para orientação e direção – como temporalmente, permitindo que eles marquem o tempo através da observação de alguma estrela.

Os filósofos, entretanto, foram os primeiros a refletir sobre as causas e origens do tempo. Aristóteles filósofo grego do século III a.C., considerava-o como sendo “a medida dos movimentos segundo a razão”, ou a noção de “antes e depois”.[286]

Há pelo menos duas palavras para o tempo, "cronos e kairos". Cronos é a hora do nosso relógio, mas kairos é a palavra que o Divino Senhor Deus usa e que significa um momento especial de oportunidade divina[287]: “Não veio ainda o tempo, o tempo de se edificar a casa do Senhor”. A esperança divina, enunciada na Bíblia Sagrada[288], muitas vezes adiada porque o povo vive iludido, em completa ilusão.

Na doutrina de Raimundo Irineu Serra o tempo é compreendido a partir de uma perspectiva ontológica, metafísica. É como se o tempo fosse uma divindade, que vale uma invocação, um chamado (chamo o tempo, eu chamo o tempo...) para ele vir me ensinar. E no estado de consciência expandida após a ingestão do daime, na miração, ou transe místico, ocorre uma mudança qualitativa do tempo, o tempo ontológico que exclui simbolicamente o tempo histórico. Este, por sua vez,

Representa a manifestação temporal de dimensão do ego. O ego está preso a datas, nasce e morre dentro da história; no entanto, a espécie humana, esta é perene. Dessa forma o ego não é possível no tempo mítico, na dimensão do eterno, segundo o que fica estabelecido pela convenção do ludus religiosus[289].

E a acepção das mensagens dos hinos adquire uma significação transcendental, prenhe de sentido místico, oculto.

Só encontramos paralelo de tal grandeza e complexidade religiosa nos cultos afro-brasileiros já mencionados - uma vez que o culto a Cronos sobreviveu apenas como mitologia.

A firmeza exigida no hino anterior (hino nº 70) é aqui reafirmada, para aprendermos a Verdade com firmeza no pensamento a cada instante das nossas vidas.

 

Notas:
[282] http://www.mariamaria.com.br/historia&mitos/contosemitos/Art_MitoCapricornio.php Acesso em 19 mar 2005
[283]ESTROZI, Leandro Farias. http://cienciahoje.uol.com.br/materia/resources/files/chmais/pass/ch181/ensaio. Acesso em 19 mar 2005
[284] O deus Tempo, cultuado nos candomblés de Angola e do Congo, na Bahia não é outro senão o deus Loko dos Jejês. Parece que como Tempo, o deus do Jejês incorpora vários espíritos inferiores que, na crença dos bantos, habitam as árvores. O iroko, árvore sagrada em toda a Costa dos Escravos e, na terra dos Jejês, considerada como sendo o deus Ioko, "o deus das árvores" (Herskovits), é a Chlorophora excelsa, na África, e dispõe de altares públicos em Abomey e Porto Novo, no Daomé. Na Bahia, entretanto, é a gameleira branca , a grande gameleira das folhas largas, talvez a Fícus religiosa. No Maranhão, onde a influência Jejê se faz sentir poderosamente na Casa das Minas, Loko se representa pela cajazeira. Como Tempo, o deus Loko está mudando as fisionomias, as vezes com diferenças atmosféricas: "Vira o Tempo! Olh'o Tempo virou!". In: ALGUNS vocábulos afro-brasileiros. Disponível em http://www.ufsc.br/~esilva/Candomble.html Acesso em 19 julho 2005.
[285] http://www.guardioesdaluz.com.br/orixatempo.htm Acesso em 19 mar 2005
[286] ESTROZI, Leandro Farias. Op. cit.
[288] Livro de Ageu 1:2
[289] BENTO, Dílson. Malungo. Decodificação da umbanda.Contribuição à história das religiões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

 


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