43. O Prensor


O prensor que te aparece
À pátria vai abraçar
Vai pra guerra, vai perder
A vida que Deus te dá.

Quem te fez não te mandou
O amor não empregou
O teu pai não conheceu
Vai derramar o teu sangue
Que o Divino Pai te deu

Meu Pai Divino do Céu
Abrandai estes terrores
Vós tenha compaixão
Dos vossos filhos pecadores

Sempre, sempre, sempre, sempre
Eu peço à Virgem Maria:
Defendei os inocentes
De toda esta orfandia.

 

Este é o único hino de caráter político no hinário O Cruzeiro Universal: a guerra.[166] O prensor que “abraça” a pátria inteira, pode ter o significado de alguém, no caso o mandatário, que “prensa” – esmaga – toda uma nação em pró de sua sanha bélica.

A segunda parte da estrofe

Vai pra guerra vai perder
A vida que Deus te dá

é a conseqüência da declaração de guerra, feita pelo líder político, sobre os seus jovens soldados, “buchas de canhão” (no dizer popular) que vão para a guerra cumprir as ordens do governante, derramar o seu sangue e perder a vida dada por Deus.

O hino é um protesto contra tal coisa. Um brado de indignação contra o direito que se arvora alguns – mesmo por razão de Estado – de dispor da vida dos seus cidadãos. É um libelo contra a guerra e, em ultima instância, contra a pena de morte.

Aquele que “te fez não te mandou” para a guerra, pois Deus é vida, e o Seu Filho afirmou "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância"[167], isto é,uma vida plena e com propósito.

E quem faz a opção pelo mal, pela morte, enviando os filhos da nação para a guerra - o flagelo da humanidade, a desgraça das gentes, o triunfo da morte, a vitória do mal - “o amor não empregou” nem conhece ao Pai que está nos céus.[168]

Aqui, o pedido, o clamor:

Meu Pai Divino do céu
Abrandai estes terrores

para que Deus atenue os terrores da guerra[169] – a dor, a morte – por compaixão aos seus “filhos pecadores”.

Ele recebeu este hino numa concentração lá na Vila Ivonete, mais ou menos pelo começo da década de 40. Aí, quando ele recebeu esse hino, tava no forte da concentração. Ele se levantou, colocou um irmão na presidência do trabalho e se retirou, chamou a esposa dele, a dona Raimunda, e pediu que ela me chamasse. Aí, ele cantou o hino todinho (...). Quando terminou a concentração ele cantou pra todo mundo ouvir, pra todo mundo aprender logo. Olhe, nessa época, foi na época de um conflito armado entre Bolívia e o Paraguai.[170] Mas tava nesse tempo um clamor, só se sabia das notícias. Do outro dia em diante que saiu esse hino, acalmou tudo, zerou tudo. Ele contou que no trabalho dele, ele foi espiritualmente lá, no meio da batalha. Diz ele, que era bala que chuvia assim, pra lá e pra cá, batia nele e caía. Ele tava lá espiritualmente, quando chegou o hino para controlar. A força dominar a rebeldia, que era demais. Essa batalha foi entre Bolívia e Paraguai e não entre o Brasil e o Paraguai, que foi lá em mil oitocentos e pouco. O que é certo meu filho, é que esta, é uma das representações que nós temos que mostrar, e vários hinos que tem aí, cada um trás uma referência.[171] 

E o hino encerra com um rogo, um pedido à Virgem Mãe para defender as vítimas – os inocentes - das atrocidades decorrentes da guerra, a orfandade[172] terrena e espiritual.

 

Notas:
[166] A guerra é a continuação da política por outros meios, diz a célebre frase de Von Clasewitz. In: CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
[167] João 10:10
[168] “O seu Pai não conheceu” é o único verso desse hino que se situa ao meio de duas estrofes repetidas mas não se repete ao cantar, como a apontar o que não deve ser lembrado.
[169] “Todos os que pegam a espada pela espada perecerão”. Mateus 26:52.
[170] A guerra entre Bolívia e Paraguai que ocorreu nesse período histórico descrito foi a guerra de fronteiras denominada Guerra del Chaco (1933-1935). No período descrito por dona Percília (anos 1940) eclode também a 2ª Guerra Mundial, que muita comoção provocou no mundo espiritual. Ver Nosso Lar, do Espírito André Luiz, psicografado por Francisco Cândido Xavier, editora da FEB - Federação Espírita Brasileira.
[171] Percília Matos da Silva citada por MAIA NETO, Florestan J. Contos da Lua Branca. V. 1. Rio Branco: Fundação Elias Mansur, 2003, p. 22; depoimento semelhante dona Percília prestou ao autor, em 29 de junho de 2004.
[172] Assim como a tua espada arrancou das mulheres os seus filhos, entre as mulheres, a tua mãe perderá o seu filho. 1 Samuel 15:33.

 


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