38. Flor de Jagube


Eu venho da floresta
Com meu cantar de amor
Eu canto com alegria
A minha mãe que me mandou.

A minha mãe que me mandou
Trazer Santa Doutrina,
Meus irmãos, todos que vêm
Todos trazem este ensino

Todos trazem este ensino
Para aqueles que merecer
Não estando nesta linha
Nunca é de conhecer

Estando nesta linha
Deve ter amor
Amar a Deus no céu
E a Virgem que nos mandou. 

 

A flor do cipó jagube (Banisteriopsis caapi) é uma florzinha miúda, de cor vermelha, e só flora no verão nortista (julho a novembro). Também dá título ao trigésimo oitavo hino. A flor de jagube também é a bebida Daime, que revela os ensinos da Virgem Mãe.

Para Fróes, esse hino “consagra a floresta, o lugar de origem do ser divino, o Santo Daime,[154] a bebida aí vista como portadora de qualidades anímicas, dotada de vida e vontade própria.[155] 

O hino Flor de Jagube testemunha ter Raimundo Irineu Serra recebido da Virgem Soberana Mãe, a Rainha da Floresta, a missão de trazer mais uma vez à humanidade a Santa Doutrina.[156] 

A Santa Doutrina replantada por Jesus Cristo e transmitida por Raimundo Irineu Serra no seio da floresta amazonense ao final do segundo milênio é a doutrina “que o nosso Pai Criador nos deu para passarmos neste mundo Terra. Vai buscar os tempos primitivos, das tribos de Israel, Judá, Jacó, passando por Noé, Moisés e tantos e tantos outros que vieram em seus devidos tempos”.[157] Jesus afirmou que "não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir". (Mateus, 5:17 ) e cumprir o grande mandamento da Lei: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração, de toda a alma, e de todo o entendimento, este é o primeiro mandamento” (Mt 22,36-37),[158] e completou: eis que “um novo mandamento vos dou: que vos amei uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,35).

A Santa Doutrina replantada por mestre Irineu é o cristianismo primitivo, praticado nas catacumbas durante os primeiros séculos da era Cristã, doutrina espírita, reencarnacionista e ainda não institucionalizada, anterior ao Concílio de Nicéia (325 d.C.)

O Santo Daime é referido pelos seus adeptos metonimicamente como "a doutrina" e representa a cosmologia daimista. Nesse sentido, os hinos são considerados a “doutrina" não só no sentido de trazerem ensinamentos e preceitos, mas também no sentido específico de apresentarem esses ensinamentos e preceitos sob a forma de música cantada.[159]

Na floresta, “enquanto se coleta o material para o feitio do daime, é comum o cântico dos hinos que constituem a base doutrinária da Igreja, particularmente os que fazem referência à ayahuasca como Flor de Jagube e Eu vou Cantar” (hino nº 65).[160]

Tudo vem dela, tudo vem da floresta, né. Como tem um hino que diz assim: eu venho da floresta... É o Daime quem ta falando. O nome desse hino chama-se “Flor de Jagube”. Os meus irmãos todos que vem são os outros jagubes e as folhas que vem da mata, que a gente vai lá buscar. Todos trazem estes ensinos, tudo já vem dentro do cipó e da folha (...) A Virgem Mãe que nos mandou. A mata não é virgem? Mata virgem; então é como se diz, os hinos é parábola[161]. 

Nos dias de grandes festejos, quando se baila e canta o hinário O Cruzeiro Universal, cantar este hino é um dos pontos altos da festa, com o foguetório retumbando sobre as igrejas, e os fogos de artifício que se abrem no céu até parecem com a flor de jagube. Neste momento, o tom da cantoria se eleva emocionadamente.

O hino Flor de Jagube é particularmente importante na Doutrina do Santo Daime, pois “traduz uma especificidade muito própria aos membros do grupo, e que parece estranha e mesmo incompreensível para os que não são adeptos”.[162] Como diz o hino: "Não estando nesta linha, nunca é de conhecer". 

 

Notas:
[154] FRÓES, Vera. Santo Daime. Cultura amazônica. História do povo Juramidã. Manaus: SUFRAMA, 1986, p.100.
[155] A visão anímica da bebida, que se constitui em pensamento ingênuo, é tendência entre inúmeros daimistas, inclusive daqueles de alta escolaridade e formação racionalista
[156] FRÓES, Vera. Santo Daime. Cultura amazônica. História do povo Juramidã. Manaus: SUFRAMA, 1986, p.100.
[157] Sebastião Jacoud in Livro dos Hinários. Centro de Iluminação Cristã Luz Universal Alto Santo. Gráfica do Senado Federal, s/d, p. 17.
[158] E “Amarás o teu próximo, como a ti mesmo. - Toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos." (S. MATEUS, cap. 12: 34-40.
[159] LABATE, Beatriz Caiuby Labate; PACHECO, Gustavo. As matrizes maranhenses do Santo Daime. O uso ritual da ayahuasca 2ª ed. São Paulo: Mercado de Letras, 2004. Do texto original desses autores, fizemos a alteração de “santas doutrinas” (no plural) para “santa doutrina” (no singular), como é cantado e praticado originalmente.
[160] CEMIN, Arneide. OS RITUAIS DO SANTO DAIME: “sistemas de montagens simbólicas”
[161] Francisco Granjeiro filho, entrevistado por MAIA NETO, Florestan J. Contos da Lua Branca. V. 1. Rio Branco: Fundação Elias Mansur, 2003, p. 33.
[162] CEMIN, Arneide. OS RITUAIS DO SANTO DAIME: “sistemas de montagens simbólicas”

 


mestreirineu.org
 
capa artigos matérias noticias entrevistas recomendacoes sobre
2019 Portal do Santo Daime